Quando estava terminando meu trabalho de conclusão do curso de Pedagogia, o famoso TCC, sobre os Transtornos de Aprendizagem, com recorte na Dislexia, descobri que na região onde moro, Grande ABC, várias prefeituras mantêm convênio com o Núcleo Especializado em Aprendizagem (NEA), departamento ligado ao setor de neurologia da Faculdade de Medicina do ABC, que atende casos suspeitos de Dislexia e TDAH, de alunos oriundos da rede municipal de ensino ou particular.
Em Santo André, onde realizei as entrevistas e os estágios obrigatórios, caso a professora note dificuldades de aprendizagem em algum de seus alunos, um contato com a coordenadora pedagógica é feito e se após discussão do caso chegarem à conclusão de ser necessário encaminhar a criança ao NEA, os pais dela são chamados para uma conversa.
Caso concordem, a criança é encaminhada para ser avaliada pela equipe multidisciplinar do Núcleo, formada por neuropediatras, neuropsicólogos, fonoaudiólogos e psicopedagogos. Não é cobrado valor algum dos pais, inclusive, se for necessário, o convênio fornece vale-transporte para a locomoção. Os valores só são cobrados quando o atendimento acontece via opção particular.
No primeiro encontro é realizado a anamnese, ou seja, os pais são entrevistados sobre a vida da criança desde o período de gestação, se houve algum problema durante o parto, abuso de drogas etc. Depois desta etapa, a criança realiza, normalmente, uns cinco testes específicos, como por exemplo: os de mapeamento cerebral, teste de QI (WISC-III – Escala de inteligência Wechler para Crianças), fonoaudiológicos, entre outros. Após todos os testes realizados, a equipe de profissionais reúne-se e discute o caso. Fechado o diagnóstico, os pais são chamados novamente para receber o resultado do laudo e ele também é encaminhado à coordenadora pedagógica, responsável pela escola de onde o aluno foi encaminhado.
Caso acuse TDAH, a criança é encaminhada tanto ao tratamento medicamentoso, com acompanhamento de um neuropediatra, quanto à terapia com psicólogos. A coordenadora pedagógica junto com a professora desse aluno também são orientadas a utilizarem métodos de ensino diferenciados. Agora, se for diagnosticado com Dislexia, o tratamento é feito apenas mediante intervenção pedagógica e terapêutica uma vez que não há remédio para tratar deste transtorno.
Muitas vezes acontece do laudo apontar para a combinação dos dois casos: Dislexia e TDAH, com algum tipo de comorbidade. Em linguagem médica isso quer dizer sintomas secundários, causados em virtude do transtorno. Os mais comuns são: ansiedade; depressão; bipolar; abuso de drogas; tourette; transtornos opositor desafiador e de conduta.
De acordo com o professor da disciplina de Neurologia e coordenador do NEA, o neuropediatra Rubens Wajnsztejn, em 2009, foram realizados cerca de 15 mil atendimentos, não só na rede de Santo André, mas no todo. Deste total, 15% apresentaram algum tipo de transtorno do aprendizado e cerca de 20% TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade).
Consegui agendar uma entrevista com Wajnsztejn para saber dele uma opinião a respeito da polêmica sobre a existência ou não destes transtornos. Começou a entrevista fazendo outra pergunta: - Como desacreditar em fatos? E, logo em seguida, respondeu: - Impossível! Começou citando exemplos da própria História da medicina. “Observando a linha do tempo, encontramos vários casos semelhantes como o que está acontecendo agora. Doenças como a Esquizofrenia e a Síndrome de Down, por exemplo, eram motivos de tabus e preconceitos. Crianças portadoras de qualquer tipo de necessidade especial eram, além de estigmatizadas, excluídas das escolas ditas “normais. Infelizmente setores importantes da sociedade ainda lutam para manter o preconceito e a estigmatização de patologias que tanto a ciência quanto à prática médica demonstram ser reais”, afirmou. A entrevista com Wajnstejn aconteceu na sede do NEA no dia 07/06/2010.
Falta de formação
Em abril de 2009, entrevistei também a coordenadora do Centro de Atenção ao Desenvolvimento Educacional da Prefeitura de Santo André, Rosemeire Aparecida Ferreira Lima, responsável por gerenciar um núcleo de escolas municipais que encaminham alunos para diagnóstico no NEA. Na opinião dela, os transtornos de aprendizagem são uma realidade e ela não tem dúvidas quanto à sua existência. “É necessário entender sobre esses transtornos para podermos cumprir com o nosso papel de educadores. Não há como intervir pedagogicamente se não soubermos o que a criança tem de fato”, destacou. Com mais de 20 anos de experiência na área, Rosemeire citou ainda que de cada cinco alunos encaminhados para avaliação (isso em 2009), um apresenta laudo positivo, seja para os Transtornos Globais de Aprendizagem, no qual se insere a Dislexia, ou para o TDAH.
Para a pedagoga Priscila de Giovanni, coordenadora do Serviço Educacional do Centro de Atenção ao Desenvolvimento Educacional (CODE), departamento ligado à Secretaria Municipal de Ensino de Santo André, o grande problema envolvendo as dificuldades de aprendizagem está é na má formação dos professores. Com mais de quinze anos de experiência em docência e trabalhando no departamento que traça as diretrizes educacionais às crianças portadoras de necessidades especiais, ela avalia que os alunos portadores de algum tipo de distúrbio de aprendizagem, provocado, por exemplo, pelo TDAH e Dislexia, não podem ser enquadrados naqueles que apresentam algum tipo de deficiência. “Eles não estão nem na área da deficiência física e nem na da mental”, afirma.
Giovanni concedeu entrevista na sede do CODE no dia 08/06/2010 e questionada sobre a polêmica a respeito da existência ou não destes transtornos, afirmou: “Se tiver que escolher entre as duas correntes, escolho a que defende a tese da não existência destes transtornos. Independente do que a criança possa ter ou vir a ter, o professor precisa é de boa formação, saber como vai ensinar, como vai lidar com as diferenças em sala de aula”.
Terminou a entrevista enfatizando que o convênio com o NEA é uma boa parceria porque propicia formação e conhecimento. Fatores, que na minha opinião, fazem toda a diferença porque entendo que a informação ainda é o melhor remédio. A partir do momento em que a escola sabe o que está acontecendo com aquele aluno tem condições de intervir, de cumprir efetivamente com o seu papel: o de propiciar a aprendizagem e a formação de um futuro cidadão, sem rótulos, sem estigmas.
É uma pena que estão medicando logo de cara essas crianças diagnosticadas como TDAH sem antes dar chance à elas de tentarem percorrer um caminho diferente do da maioria, mas que leva à mesma aprendizagem. Ele existe. Basta saber conduzi-lo.
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A informação é o melhor remédio.
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