A Deputada Federal Mara Gabrilli (PSDB/SP), designada pela Comissão de Educação da Câmara, como Relatora do Projeto de Lei 7081/2010, que dispõem sobre o diagnóstico e o tratamento do Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) e Dislexia na educação básica, afirmou em entrevista, concedida por email, em 16/08/2010, ter acatado por completo o texto do Substitutivo do PL. Agora, será encaminhado à Comissão de Constituição e Justiça e caso tenha parecer favorável, não precisará ir à votação em Plenário. Trata-se de um “projeto conclusivo de comissões”, conforme explica a Deputada.
A ENTREVISTA
Vanessa Martos Gasquez - Como tem sido os trabalhos da Comissão de Educação sobre o PL 7.081/2010? Chegaram a ouvir setores da sociedade civil?
Mara Gabrilli : A presidente da Comissão de Educação designou-me como Relatora do Projeto de Lei 7.081 de 2010. O Relatório de minha autoria foi enviado à Comissão no dia 3 de agosto, no retorno do recesso parlamentar. Para entender a minha posição com relação ao Projeto é preciso antes lembrar que a Comissão de Seguridade Social e Família, através de sua Relatora, a Deputada Rita Camata, fez um trabalho de reestruturação do Projeto, na forma de um Substitutivo (um novo texto). Esse substitutivo foi feito a partir do diálogo com diversos setores da Sociedade Civil Organizada, e instituições que trabalham com o assunto. Foram especialistas, educadores e profissionais ligados à fonoaudiologia, pedagogia, psicologia e outras áreas, que contribuíram para a elaboração do Substitutivo.
Acatei por completo o texto do Substitutivo, e em meu Relatório darei outras contribuições para defender a aprovação do Projeto e sua conversão em Lei. No trabalho de construção de meu Relatório também mantive contato com Setores da Sociedade Civil Organizada como a Associação Brasileira do Déficit de Atenção (ABDA) e a Sociedade Brasileira de Fonoaudiologia, entre outros.
VMG - Deputada há alguma data limite para que a Comissão de Educação apresente o relatório?
MG - Não há uma data limite para a apreciação do Projeto. Projetos de Lei podem tramitar por anos - e, por incoerente que possa parecer, até mesmo por décadas - na Câmara dos Deputados. A decisão de colocar ou não um Projeto na pauta da Comissão é EXCLUSIVA da presidência da Comissão, na forma do Regimento da Câmara dos Deputados.
VMG – Com relação a determinadas proposições ou Projetos de Lei, as Comissões se manifestam emitindo opinião técnica sobre o assunto por meio de pareceres, antes de o assunto ser levado ao Plenário da Câmara para votação. Porém, existe algumas proposições/Projetos de Lei que não precisam passar pela votação na Câmara caso tenham pareceres favoráveis das Comissões. Caso seja aprovado pelas demais Comissões qual será o próximo passo deste PL? Ele não precisará passar em votação pelo Plenário da Câmara para efetivamente tornar-se uma Lei?
MG: Nenhum Projeto de Lei jamais será aprovado pela Câmara dos Deputados sem passar por Comissões, e nem todo projeto precisa passar pelo Plenário. A esses Projetos nós chamamos de "conclusivos das Comissões". No caso deste Projeto de Lei 7.081 de 2010, ele não terá que ir à votação em Plenário. A última Comissão à avaliá-lo será a de Constituição e Justiça.
VMG – A Comissão de Seguridade Social e Família votou favorável alegando que tanto o TDAH quanto a Dislexia podem gerar prejuízos envolvendo a vida social, familiar, afetiva, acadêmica e profissional. No entanto, esses argumentos não levam em consideração a situação atual do próprio sistema de ensino e nem a realidade do povo brasileiro. Na educação, os índices de mensuração apontam desempenho em língua portuguesa e matemática aquém do esperado e na parte social sabemos que a pobreza também acarreta em tais circunstâncias. A Comissão de Educação está analisando outros fatores ou irá seguir a mesma linha de argumentação da Comissão de Seguridade Social e Família?
MG: Não entendo exatamente em que medida os argumentos da Comissão de Seguridade Social e Família "não levam em consideração a situação atual do próprio sistema de ensino e nem a realidade do povo brasileiro". Pelo contrário, me parece justamente que o projeto se justifica à luz de dados que conformam um diagnóstico claro: não há uma política sistemática para identificação e atendimento desses alunos e ela se faz necessária. Um Grupo de Trabalho nomeado pela Portaria Ministerial nº 6, de 5 de junho de 2008, do Ministério da Educação, debruçou-se sobre o tema dos Transtornos Funcionais Específicos - TFEs (dentre os quais se inclui a Dislexia e o TDAH). O documento elaborado pelo Grupo de Trabalho reconhece que “uma das tarefas das redes de ensino e suas escolas é a de construir um projeto e ambiente escolar que promovam o pleno desenvolvimento humano e escolar dos educandos com TFEs”, e recomenda a “elaboração de políticas, programas e ações dirigidas especificamente à inclusão e acompanhamento dos educandos com TFEs”.
Estamos falando de universo de milhões de educandos. Logo, o diagnóstico da Comissão de Seguridade Social e Família está respaldado simultaneamente em números estatísticos, estudos técnicos e apoio da Sociedade Civil. Falar que tal diagnóstico ignorou a realidade brasileira causa estranheza - o que não significa que aprimoramentos não possam ser feitos, afinal ninguém é infalível. Quando construímos um Projeto de Lei jamais podemos garantir (ter a certeza) de que estamos fazendo exatamente a melhor Lei. O legislador está tão sujeito ao erro quanto qualquer pessoa. Por isso o que podemos e devemos fazer é tomar todos os cuidados possíveis para que cheguemos tão perto da melhor Lei quanto possível, através da consideração de dados estatísticos, estudos técnicos e questões orçamentárias. É justamente o que temos aqui.
Apenas concluindo, estive em agosto em um congresso internacional sobre déficit de atenção no Rio de Janeiro e o número de mães, pais, crianças e adultos que relataram as dificuldades sofridas devido ao transtorno era grande. Foram muitos os depoimentos de jovens expulsos de escolas e adultos que não conseguiam concluir os estudos antes do diagnóstico. E ali estávamos com um grupo de famílias mais esclarecidas, com acesso a profissionais de saúde e educação para ajudá-los a superar as dificuldades de socialização e escolarização. Agora, imagine uma criança que nasceu de uma família humilde, de pais que não concluíram o ensino fundamental, que divide com mais 6 irmãos uma casa de 2 cômodos e que sempre dá problema na escola, é agitada, não se concentra, não obedece. Ela muito provavelmente irá apanhar todos os dias de seus pais por isso. Se não fugir de casa para viver nas ruas, já será uma vitória. É justamente para essas crianças que a Lei teria seu maior propósito. A realidade dela já é dura e será ainda pior se não houver uma política na escola para diagnóstico e atenção para seu transtorno.
Uma Lei que tenha foco no atendimento aos transtornos referidos aqui não está negando que existam fragilidades e deficiências do sistema educacional que atinjam toda a população. Seria como dizer que uma política focada na educação sexual de jovens e adolescentes ignora que pessoas em idade adulta também são vítimas de DSTs. O jovem brasileiro que não é diagnosticado com Dislexia ou TDAH também precisa ser objeto de uma política pública educacional mais eficiente - e isso não repele a pertinência da presente proposição, creio.
VMG- O PL propõe que o poder público mantenha programa de diagnóstico e tratamento de estudantes da educação básica com Dislexia e TDAH por meio de equipe multidisciplinar composta, entre outros, por educadores, psicólogos, psicopedagogos, médicos e fonoaudiólogos. Na prática como isso será viabilizado? Porque se for via SUS, o sistema terá como garantir esse tipo de atendimento? Há equipes multidisciplinares operando no sistema com essa qualificação?
MG: A pergunta é muito pertinente, mas é preciso fazer uma ressalva: existe uma diferença entre fazer uma Lei (atribuição do Poder Legislativo) e regulamentar a aplicação desta Lei (atribuição do Poder Executivo). Um Poder simplesmente não pode usurpar a atribuição do outro, e nosso sistema, de tripartição dos Poderes, se apoia nessa premissa.
Portanto, neste caso - como em qualquer caso, na verdade - o Poder Executivo é quem deverá estabelecer a regulamentação através de um Decreto Federal (é literalmente uma obrigação do Poder Executivo). De que forma o serviço criado por essa Lei será prestado é algo que precisará ser discutido, e muito. Essa discussão trará a tona discordâncias conceituais e problematizações de ordem prática, não tenho dúvidas.
Nada disso significa, entretanto, que não devemos fazer a Lei. A dificuldade em estruturar um serviço não afasta a necessidade de criá-lo. Em países como os EUA e a Inglaterra o serviço de atendimento educacional está obviamente dentro do próprio sistema de ensino (portanto fora do "SUS", naqueles países). O trabalho multidisciplinar pode também exigir atenção de diferentes setores do próprio Governo. Por hora, prefiro não me posicionar em definitivo sobre o modelo do serviço. Esse será um segundo momento.
VMG - A Deputada tem conhecimento das divergências na área científica a respeito da existência ou não destes transtornos? Como não há marcadores biológicos que os caracterizem o fechamento do diagnóstico é controverso. Já entrevistei pais de alunos que passaram por vários especialistas e cada um emitiu um diagnóstico diferente. Por isso, gostaria de saber como a Comissão vem analisando essa questão.
MG - Acredito que haja controvérsias e divergências sobre o correto diagnóstico, porém esses transtornos existem segundo a Organização Mundial de Saúde, havendo os números dos CIDs correspondentes. Muitos transtornos genéticos também são de difícil diagnóstico, mas isso não impede de propormos uma política de diagnóstico e acompanhamento destes transtornos.
Como já disse, acredito que tudo possa evoluir e ser aprimorado para a melhoria da qualidade de vida das pessoas. Até 2010, por exemplo, a Síndrome Pós-Poliomielite (SPP) não era reconhecida e não existia no CID. Foi uma iniciativa de profissionais brasileiros da Unifesp e encaminhada a um comitê internacional que conseguiu incluir a SPP no CID. Antes disso, havia o entendimento generalizado de que os danos causados pela poliomielite não evoluíam e centenas de milhares de pessoas estavam desamparadas de políticas de atendimento.
Reitero que percebo que a proposta deste projeto de lei é que se encontrem soluções para o desenvolvimento educacional dessas crianças e não simplesmente rotulá-las. Trecho de meu relatório: “A proposição determina que as escolas assegurem aos alunos com dislexia e TDAH acesso aos recursos didáticos adequados ao desenvolvimento de sua aprendizagem e, simultaneamente, que os sistemas de ensino garantam aos professores formação própria sobre a identificação e abordagem pedagógica das referidas disfunções, para que os docentes possam contribuir para a efetividade do trabalho realizado pela equipe multidisciplinar.”
VMG – De acordo com matéria veiculada pelo jornal Globo News, em 12/11/2010, o Brasil já é o segundo maior consumidor do Metilfenidato (Ritalina), medicação utilizada em tratamento do TDAH, que é da mesma família da cocaína e está listada na Anvisa como entorpecente. É um remédio forte cujas consequências são completamente desconhecidas a longo prazo porque trata-se de um remédio novo no mercado. Por isso, gostaria de saber se a Comissão de Educação também tem levado em conta este aspecto.
MG - A preocupação é válida e inafastável. Contudo, associar imediatamente a metodologia de diagnóstico e atendimento educacional de crianças com tais transtornos à prescrição de ritalina pode ser enganoso. O Brasil, sem dúvida, é um país que tolera a prática da automedicação de maneira sistemática e o consumo de medicação é de fato abusiva (mesmo das controladas). Mas a abordagem a partir do Projeto de Lei não é necessariamente medicamentosa. Novamente reforço que a proposta, especialmente sob o ponto de vista da Comissão de Educação, é favorecer o desenvolvimento da aprendizagem por meio de recursos pedagógicos adequados. Queremos que a investigação para o diagnóstico seja bem detalhada e que outros problemas psicológicos sejam excluídos – como depressão e ansiedade, por exemplo. Por isso a proposta de uma equipe multidisciplinar. Acreditamos que já existem órgãos, normas e legislação que zelam tanto pela clareza do diagnóstico quanto pelo combate à prescrição indiscriminada de medicamentos.
VMG – Como psicóloga a Deputada poderia nos fornecer uma opinião particular sobre o TDAH e a Dislexia?
MG - Nunca atendi ou diagnostiquei uma pessoa com os transtornos, por isso não tenho uma experiência ou vivência particular. Porém percebo que há dois lados nessa questão: uma clara necessidade em atender as pessoas cuidadosamente diagnosticadas. Por isso, o cuidado em haver uma equipe multidisciplinar. E outro lado, das mães ou pais que procuram um profissional – seja psicólogo ou psiquiatra – e chegam com o diagnóstico pronto: “meu filho é hiperativo, faça alguma coisa”. É necessário uma avaliação cuidadosa, inclusive do meio familiar. Não queremos rotular pessoas tampouco medicá-las. Queremos a possibilidade de que sejam incluídas e tenham seus talentos desenvolvidos, respeitando suas características.
Por muito tempo, as pessoas diferentes do padrão simplesmente eram excluídas até elas próprias se adequarem. Hoje, o conceito de inclusão inverte essa lógica perversa e a obrigação passou a ser do MEIO. São as cidades, seus espaços e serviços que devem estar preparados para receber toda a diversidade humana. Não podemos jamais ter pena ou criar aparatos isolados para atendimento, circulação e atividades. Isso é segregação. A inclusão, diferentemente, não impõe condições - se melhorar, se puder subir, se acompanhar... Essa é a minha luta: de chegarmos a uma sociedade que acolha a todos, em que ninguém seja discriminado por motivo de doença, deficiência ou transtorno. Por isso, uma modificação ou ajuste razoável, que não provoque ônus indevido, como a que estamos propondo neste PL ou em tantos outros, que atendam às necessidades de pessoas cegas, surdas, com deficiência intelectual ou física, permitirá o exercício de cidadania em igualdade de oportunidades com as demais pessoas.
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