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quinta-feira, 21 de julho de 2011

“Fui diagnosticado aos 43 anos com Dislexia”

Conheci  o Krenak de Souza (nome de batismo) durante um evento realizado pela Associação Brasileira de Dislexia (ABD), no Parque Ibirapuera, no dia 05/12/2009. Era uma manhã de um sábado meio nublado e todos os inscritos ganharam uma camiseta amarela florescente com os dizeres na frente: Você sabe o que é Dislexia? e nas costas o logo da ABD e o site da entidade. Resolvi participar da atividade para ampliar minhas pesquisas e ter a oportunidade de conhecer outras pessoas. 

Cerca de 60 pessoas participaram da atividade e conforme íamos caminhando pelo  parque muitos nos paravam e questionavam sobre o que é a Dislexia, relatando que nunca haviam ouvido falar a respeito.  Durante o percurso  acabei conversando bastante com o Krenak e logo ficamos amigos.  Fiquei impressionada com os relatos ouvidos e mesmo diante de tantas dificuldades encontradas tanto na escola como na vida, ele não se entregou. Continuou  e continua lutando por seu merecido espaço ao Sol.
Por ser uma pessoa batalhadora, extremamente inteligente e de não ter desistido de seus ideais,  conseguindo, inclusive, conquistar o diploma de bacharel em Sociologia em uma das primeiras faculdades de São Paulo, a Faculdade de Sociologia e Política, convidei-o a compartilhar conosco sua história. Para alegria, o convite foi aceito com uma só exigência: solicitou-me que corrigisse os erros de português alegando  ser essa uma dificuldade ainda não superada “ é um grande empecilho, ou melhor, um elefante em meu caminho”, argumentou.   O que posso contar a vocês é que no texto original realmente os erros de ortografia e gramática são comuns e as trocas de letras são regras e não exceção.  Fato que está  me fazendo  refletir muitas coisas. Afinal, para que dominar plenamente as regras ortográficas se a essência da comunicação, daquilo que se pensa, se sabe, consegue-se expressar e pode muito bem ultrapassar os limites do senso comum? E, com certeza as ideias do Krenak superam em muito as teorias que já andei lendo por aí no campo da Sociologia. Ideias que em breve espero poder compartilhar com vocês porque ele já me prometeu uma outra entrevista  só para falar sobre suas ideias e a polêmica a respeito da existência ou não da Dislexia.

O depoimento...........................


"A vida é uma fantasia que todos nós gostamos de vestir". Ultimamente essa tem sido a minha citação preferida. Talvez seja pelo fato de toda a minha vida ter sido uma mistura de busca e decepção. Desde o convívio em família  até os grupos secundários as coisas sempre foram  muito difíceis para mim.

Apesar da incapacidade de compreender os motivos que me levavam sempre à demissão nos empregos, nunca desisti.  Insistia sempre.  A persistência tornou-se o principal motor vetor de minha vida e tem sido a responsável em conduzir  meus passos.

Nasci em Olinda, Pernambuco, e  aos três anos de idade meus pais mudaram-se para Aquidauana (MS).  O fato de ter perdido  meu pai cedo  e a dificuldade de relacionamento com a minha mãe impulsionaram-me a buscar  prematuramente uma independência e aos 16 anos resolvi sair de casa e tentar a sorte na cidade grande. Vim para São Paulo e hoje moro em Cananeia, no litoral sul.
Em  2006, aos  43 anos, descobri que minhas dificuldades tinham um nome até então  desconhecido: Dislexia. 
Em relação à  escola, passei por muitos momentos  fracassados.  Várias vezes me vi forçado  a desistir dos meus propósitos para dedicar-me a outros fins onde eu pudesse ver resultados. Um dos períodos mais tristes foi quando ingressei na escola técnica para cursar eletrotécnica, onde grande parte do curriculum era de exatas. Apesar de querer muito continuar os estudos, não sentia aptidão para tal e não conseguia acompanhar. Isso quase me levou  ao  desespero, sem contar que nos dias de exames sentia febre, calafrios. Com muito esforço e determinação  consegui  chegar ao fim do curso mas,  em 89, quando iniciei o curso de engenharia, as coisas complicaram-se de vez.  Lutei por quase dois anos até não aguentar mais tanta pressão e acabei desistindo por me sentir impossibilitado  de continuar. Essa  desistência nutriu um sentimento de fracasso que só o tempo permitiu a digestão. Tudo isso acontecia sem que eu tivesse a mínima ideia do que se tratava, sempre acreditei que era simplesmente uma deficiência na base escolar, onde não foi nada planejado e direcionado para mim.
Um dia tive a felicidade de conhecer uma senhora que trabalhava como psicopedagoga e logo ela percebeu uma anormalidade em mim e comentou sobre a Dislexia e como era o comportamento dos portadores. Infelizmente logo em seguida ela veio a falecer.
Em  2005, quando iniciei o curso de Sociologia e Política, as coisas se afunilaram de tal maneira que eu não sabia se chorava ou se sumia. No primeiro semestre, quando as notas foram fechadas, percebi na cara dos professores algo nada agradável. Aí, no  decorrer do segundo semestre  fui chamado para uma conversa particular na coordenadoria.  Fizeram-me vários questionamentos  sobre o que acontecia, queriam saber  se era falta de condições para acompanhar o curso ou falta de interesse por minha parte. Aí, neste instante,  me vi diante de um paradoxo a ser desvendado e confesso que foi um dos piores momentos da minha vida.
Algum tempo depois conheci uma garota que  me disse ser  disléxica e que havia passado pela ABD. Foi quando  tomei conhecimento da existência da Associação e fui procurar ajuda. Como  você sabe, passei por todos os procedimentos e testes e foi confirmado a existência dessa disparidade com um agravante:  meu quadro é irreversível  e  meus problemas sociais e outras dificuldades somadas com a Dislexia  contribuíram  para que o meu emocional chegasse a um  estágio bem fragilizado. Por isso,  fui aconselhado a  passar por um acompanhamento terapêutico.  Após a confirmação do diagnóstico procurei a faculdade, apresentei o laudo à coordenadora e o tratamento em sala de aula mudou. Os professores passaram a me entender melhor e a cooperar para que eu pudesse superar minhas dificuldades e conseguir me formar.  
Dispensei tratamento específico porque não tenho ilusões de resultados milagrosos. Perdi  meu grupo de trabalho e passei a realizar todas as tarefas de forma independente.
Ter sido diagnosticado como disléxico  não mudou quase nada em minha vida. Para falar a verdade, poucas mudanças  ocorreram.  Ainda sinto-me como se eu fosse uma  borboleta que embora tenha desenvolvido asas  continua presa ao casulo, proporcionando fortes sentimentos de angústia. É  claro que busquei novos conceitos e não trago mais aquela mania de viver 24 horas cobrando algo de mim mesmo. Lutar e não ver progresso só contribui para o agravamento do meu desempenho e desenvolvimento pessoal e cultural. Contudo tenho esperanças. Sei que o tempo, como senhor das coisas, me proporcionará meios e caminhos para que um dia, eu, por mim  mesmo, consiga  montar meu próprio mosaico.
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A informação é o melhor remédio!
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